sábado, 28 de novembro de 2015

SOBRE O FENÔMENO DOS TRABALHOS DE MERDA

copiado de outro lugar

Angelo Monne
Em 1930, John Maynard Keynes previu que até o final do século a tecnologia teria avançado o suficiente, para que países como a Grã-Bretanha ou os Estados Unidos implementassem a semana de trabalho de 15 horas. Existem muitas razões para acreditar que ele estava certo e no entanto isso não aconteceu. Ao contrário, a tecnologia foi sendo configurada de maneira a nos fazer trabalhar mais. No intuito de alcançar este objetivo, trabalhos efetivamente inúteis tiveram de ser criados. Exércitos de pessoas, na Europa e na América do Norte em particular, passaram vidas inteiras realizando tarefas que eles no fundo acreditavam serem desnecessárias. O dano moral e espiritual deste fato é profundo. É uma marca em nossa alma coletiva. No entanto, quase ninguém fala sobre isso.
Por que a utopia prometida por Keynes nunca se materializou? A resposta mais comum hoje é que ele não visualizou o aumento maciço do consumismo.Dada a escolha entre menos horas de trabalho ou mais brinquedos e prazeres, escolhemos os últimos. Isto pode parecer um bom conto moralista, mas um pouco de reflexão nos revela que não é bem assim. Sim, nós temos testemunhado a criação de uma variedade infinita de novos empregos e de novas indústrias desde os anos 20, mas muito poucas tem a ver com a produção e distribuição de sushi, iPhones ou tênis extravagantes.
Quais são esses novos postos de trabalho precisamente? Um relatório recente comparando o emprego nos Estados Unidos entre 1910 e 2000, nos dá uma boa ideia. No decorrer do último século, o número de “trabalhadores braçais” na indústria e no setor agrícola diminuiu drasticamente. Ao mesmo tempo, empregos como de gerentes, assistentes, vendedores e outros cresceram de um quarto para três quartos do emprego total. Em outras palavras, trabalhos produtivos foram largamente automatizados como previsto (ainda que você leve em consideração os trabalhadores da industria de maneira global, incluindo China e Índia, a porcentagem é muito menor do que costumava ser).
Mas em vez de permitir uma redução maciça da jornada de trabalho, para que a população mundial tivesse a oportunidade de correr atrás seus próprios projetos, prazeres, visões e ideias, temos visto um crescimento não só do setor de “serviços”, como do setor administrativo, incluindo a criação de novas indústrias como a de serviços financeiros ou telemarketing, ou a expansão sem precedentes de setores como direito corporativo, administração da saúde e acadêmica, recursos humanos e relações públicas. Esses números ainda não são suficientes para refletir esse contingente de pessoas cujo trabalho é prover apoio administrativo, técnico ou de segurança, pois existe toda uma cadeia de indústrias auxiliares (de petshops a pizzarias 24h) que só existem porque todo mundo está gastando muito tempo trabalhando nessa “nova” indústria.
Estes são os que proponho chamar de “empregos de merda.”
É como se alguém estivesse criando empregos inúteis apenas para nos manter trabalhando. Aqui precisamente reside o mistério. No capitalismo, isto é exatamente o que não deveria acontecer. Certamente foi o que aconteceu nos velhos e ineficientes estados socialistas da União Soviética, pois o emprego era considerado tanto um direito quanto um dever sagrado, onde o próprio sistema criou tantos empregos quanto considerava necessário (razão pela qual as lojas de departamento na União Soviética tinham até 3 funcionários para vender um pedaço de carne). Supostamente esse é um problema que a competição no mercado deveria corrigir. Pelo menos de acordo com a teoria econômica, a última coisa que uma empresa com fins lucrativos deveria fazer seria gastar dinheiro com trabalhadores que elas não precisam empregar. Ainda assim, de alguma forma isso acontece.
Se por um lado as corporações podem, de tempos em tempos, diminuir de tamanho drasticamente, os cortes e demissões normalmente recaem sobre aqueles que estão efetivamente se mexendo, ajustando, pensando e fazendo o negócio girar; através de uma estranha alquimia que ninguém pode explicar, o número de burocratas assalariados está se expandindo e um número cada vez maior de empregados encontra-se, não como os trabalhadores da União Soviética é claro, trabalhando 40 ou 50 horas por semana, mas efetivamente 15 horas como Keynes havia previsto, desde que passem o resto da semana assistindo, organizando e participando de seminários motivacionais, atualizando seus perfis no Facebook, ou fazendo downloads de séries.
A resposta claramente não é econômica: é moral e política. A classe dominante descobriu que uma população feliz, produtiva e com tempo livre disponível é um perigo mortal (pense no que ocorreu quando esse sonho se tornou possível nos anos 60). Por outro lado, o sentimento de que o trabalho é um valor moral em si, e de que qualquer um que não esteja disposto a se submeter a uma intensa disciplina de trabalho não merece nada, é extremamente conveniente.
Observando o crescimento aparentemente interminável das responsabilidades administrativas dos departamentos acadêmicos ingleses, eu tive uma possível visão do inferno. O inferno é um conjunto de indivíduos, que estão gastando a maior parte de seu tempo trabalhando em uma tarefa que eles não gostam e não são bons nela. Digamos que eles foram contratados porque eram excelentes marceneiros, mas depois chegaram a conclusão de que na verdade boa parte deles deveria passar a maior parte do tempo fritando peixe. O empregados então se tornam obcecados e ressentidos ao pensar que alguns de seus colegas de trabalho possam estar gastando mais tempo fazendo armários e não compartilhando a justa responsabilidade de fritar peixes. Em pouco tempo, pilhas de peixe frito ruim se acumulam e isso é tudo o que eles realmente fazem.
Todos os argumentos que eu venha a usar vão suscitar imediatamente as seguintes objeções: “quem é você para dizer quais trabalhos são realmente ‘necessários”? O que é ‘necessário’ afinal? Você é um professor de antropologia, qual a ‘necessidade’ disso?” (leitores de tabloides certamente caracterizariam o meu trabalho como a definição de desperdício de gastos sociais). Em algum nível, isso obviamente é verdade. Não deve existir nenhuma métrica objetiva de valor social.
Eu não me atreveria a convencer alguém, que acredita que está fazendo uma contribuição importante para o mundo, do contrário. Sobre as pessoas que estão convencidas de que seus trabalhos não fazem sentido, o que podemos dizer? Não faz muito tempo eu voltei a ter contato com um amigo do colégio que eu não via desde os doze anos. Fiquei encantado em descobrir que nesse tempo ele se tornou um grande poeta e vocalista de uma banda de indie rock. Eu já tinha ouvido algumas de suas músicas no rádio sem saber que eu o conhecia. Ele era obviamente brilhante, inovador, e seu trabalho tinha sem dúvida iluminado e melhorado a vida de muitas pessoas. No entanto, depois de dois álbuns que não tiveram sucesso ele perdeu o contrato. Atormentado com dívidas e um filho recém-nascido, acabou “escolhendo a opção de muitos que não sabem o que fazer da vida: direito”. Agora ele é um advogado corporativo que trabalha em uma firma proeminente em Nova Iorque. Ele admitiu que seu trabalho é totalmente sem sentido, que não contribui em nada para o mundo e em sua própria avaliação não deveria existir.
Existem muitas questões que poderíamos fazer, por exemplo: o que dizer de uma sociedade que parece ter uma demanda extremamente limitada por músicos-poetas, mas aparentemente uma demanda infinita por especialistas em leis corporativas? (Resposta: se 1% da população controla a maior parte da riqueza disponível, o que nós chamamos de “mercado” reflete o que eles acham útil ou importante, não qualquer outra pessoa). Isso mostra, que a maioria das pessoas que ocupam esses cargos, estão em última análise cientes disso. De fato, eu não me lembro de ter conhecido um advogado corporativo que não considere seu trabalho um trabalho de merda. O mesmo vale para quase todas as novas indústrias citadas acima. Existe toda uma classe de assalariados que você irá encontrar em festas. Diga que você faz um trabalho interessante (um antropólogo por exemplo). Eles vão evitar em falar sobre seus próprios trabalhos. Ofereça alguns drinks e em pouco tempo eles farão discursos sobre como seus trabalhos são estúpidos e inúteis.
Temos aqui uma violência psicológica profunda. Como alguém pode sequer começar a falar sobre dignidade no trabalho quando se pensa que o emprego do outro não deveria existir? Como isso pode não criar uma profunda sensação de raiva e ressentimento? No entanto, essa é a genialidade um tanto peculiar da nossa sociedade, onde os que ditam as regras descobriram uma maneira, no caso dos fritadores de peixe, de se certificarem de que essa raiva fosse direcionada diretamente para aqueles que fazem o trabalho que importa. Por exemplo: em nossa sociedade parece existir uma regra geral onde quanto mais o seu trabalho beneficia outras pessoas, menos remuneração você receberá. De novo, uma medida objetiva é difícil de encontrar, mas para entender basta perguntar: o que aconteceria se toda essa classe de pessoas simplesmente desaparecesse? Diga o que quiser sobre enfermeiras, catadores de lixo, mecânicos, mas se eles desaparecessem do nada, os resultados seriam imediatamente catastróficos. Um mundo sem professores ou estivadores estaria em apuros, e mesmo um mundo sem escritores de ficção científica ou sem músicos de skaseria certamente um mundo pior. Não está exatamente claro que tipo de problema a sociedade teria se todos os CEOs, lobistas, pesquisadores de relações públicas, atuários, operadores de telemarketing, oficiais de justiça ou consultores jurídicos desaparecessem. (Muitos suspeitam que poderia melhorar muito). Tirando alguma exceções (como por exemplo médicos), a regra parece fazer sentido.
De maneira ainda mais perversa, parece existir um consenso de que é assim que as coisas devem ser. Esse é um dos pontos fortes do populismo de direita. Perceba como os tabloides mostram os dentes quando funcionários do metrô param Londres por conta de negociações salariais: eles param Londres porque seu ofícios são necessários, mas isso parece incomodar as pessoas. Isto é ainda mais claro nos Estados Unidos, onde os Republicanos tiveram sucesso notável na tarefa de mobilizar o ressentimento contra os professores, trabalhadores da indústria automobilística (mas não contra os administradores das escolas ou gerentes das indústrias automobilísticas, que de fato parecem ser a fonte dos problemas) por causa de seus salários e benefícios supostamente elevados. Como se eles estivessem dizendo “mas vocês são professores! Ou fazem carros! Precisam arrumar empregos de verdade! Vocês esperam aposentadoria e planos de saúde de classe média?”
Se alguém tivesse inventado um regime de trabalho perfeitamente adequado à manutenção do poder do capital financeiro, dificilmente conseguiria obter um maior êxito. Os trabalhadores “reais” e produtivos são implacavelmente explorados. O restante está dividido entre uma porção aterrorizada (universalmente demonizada) de desempregados e uma outra que é basicamente paga para não fazer nada, em postos de trabalho criados para a identificação com as perspectivas e sensibilidades da classe dominante (gerentes, administradores, etc) — e particularmente com seus avatares financeiros — mas, ao mesmo tempo, promovem um ressentimento feroz contra aqueles que realizam um trabalho que tem inegavelmente um valor social. Obviamente, o sistema nunca foi conscientemente construído. Ele emergiu de quase um século de tentativa e erro, mas é a única explicação que encontrei, pela qual a despeito de nossas capacidades tecnológicas, nós não estamos trabalhado 3 ou 4 horas por dia.
David Graeber é professor de antropologia da London School of Economics.
Tradução livre de Ivan LP. Artigo publicado originalmente na revista Strike.

sábado, 14 de novembro de 2015

CHEIRO DE METRÔ

Munique, madrugada de 15 de novembro de 2015.

Acabei de assistir o DVD de Biophilia pela primeira vez. Para mim, é o disco mais hermético de Björk (embora nunca tenha mexido no aplicativo que dá todo sentido ao disco). E confesso abestalhado que estou deslumbrado. Quem não curte Björk não vai passar a gostar, mas, se não passar a respeitá-la como artista, tem preconceito na jogada. Tô até pensando em botar para minha mãe ver. Logo ela que odeia declaradamente Björk. Para ver se ela entende um pouco do meu encanto sem tamanho por esse ser humano e suas realizações. Acho que não vai surtir efeito, devido – lá vem a palavra novamente – ao preconceito. Vai achar muito doido, o figurino muito feio, isso sem mencionar as músicas (que até eu tenho que admitir que nesse disco são muito inacessíveis).



De toda sorte, ganhei minha noite, que havia perdido ao saber que o evento especial para pessoas acima dos trinta (é infelizmente me insiro na faixa etária) havia sido cancelado, talvez em luto ao ataque de ódio ocorrido na França. Sei lá, o cara do restaurante não me deu maiores explicações nem eu as pedi, posto que a informação que me interessava já havia sido recebida. Quem sabe semana que vem, né? Quem sabe num evento para pessoas na faixa dos 30 não role uma mulher interessante que se interesse por mim. E mais: quem sabe não role música da minha época: Cure, New Order, Smiths, Echo & The Bunnymen, The Clash, Rick Astley mesmo e eu possa, enfim, dançar de verdade, com alma; fechar os olhos e deixar o corpo ir naquelas melodia e batidas que já fazem parte de mim.

Fiquei supercurioso, pois nunca vi dessas festas com faixa etária em Recife, mesmo porque, até os 50 (por baixo), todo mundo é adolescente ou alternativo e frequenta os mesmos lugares. Já numa festa que é para pessoas na faixa de 30 acredito que dê gente dos 27 aos 43, o que faz o jogo de sedução ficar menos disputado para mim, acho. Além de dar muita gente solteira. Pelo menos é assim que a situação se afigura na minha imaginação.




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Estação da Marienplatz


Munique, para mim, tem muito do que se gostar e muito pouco do que se desgostar. Descobri hoje uma coisa da qual gosto muito em Munique e que não tenho em Recife – até porque só andei uma vez nesse meio de transporte por aí – : cheiro de metrô.

Caminhando pela calçada da minha irmã, rumo ao supermercado, passo por cima de um respiradouro do metrô e o cheiro que sobre lá de baixo me agrada deveras. É uma mistura de graxa, com borracha metal e eletricidade que para mim é sinônimo de liberdade, de deslocamento com conforto, de estar solto no mundo, na Europa, com o fio de Teseu para me guiar de volta à entrada do labirinto do Minotauro. E é um lugar organizado, limpo, com um monte de gente indo e vindo sabe-se de onde e indo para os destinos que a vida os atraia.

E eu compro sempre o ticket que vale por um dia inteiro em toda a rede de transporte público de Munique (dentro do cinturão interno da cidade apenas, o que é mais do que suficiente, pois tudo de interessante está contido nele. Da casa da minha irmã num oposto a Allianz Arena no outro extremo. Então é mamão com açúcar, como diria meu amigo Serjão, navegar pela cidade tendo um tíquete deste em mãos. Não aceito outro. Até porque o uso dos outros é deveras complicado para uma pessoa com o cérebro de Dory de Procurando Nemo, como eu.

Pois é, cheiro de metrô... quem diria...

- “Quem diria...”, quem diria isso só pode ser alguém que não tem o que dizer né, idiota?
- Ô autocrítica e baixa auto-estima porque vocês não pegam um metrô e vão à merda por alguns instantes?
- E por que você não fala o que você pensou dos seus, dos nossos peidos europeus, já que quer descer de nível e gosta tanto de subsolo?
- Duvidam que eu fale?
- Vai ser pior para você e uma festança para nós!
- Pois bem, algo que tem me incomodado bastante são os cheiros fecais que produzo aqui na Europa. Como mudei radicalmente de dieta em relação a Recife, obviamente o resultado olfativo do produto alimentício processado pelo organismo também mudou e me incomoda isso porque eu consigo identificar nos odores fecais aquilo que me parecia - e era (e é!!) – tão saboroso antes da digestão, tornando esses odores particularmente ofensivos, pois me geram momentaneamente uma certa aversão ao que havia comido. Mas passa rápido, desaparece no ar como os cheiros. Pronto. Falei!
- Otário, só fez se humilhar, falar mais besteira ainda que a babaquice pseudo-poética do “cheiro de metrô”. Bem feito pra tu que caiu na nossa e meteu por cima do “cheiro de metrô” o cheiro do cocô! Hahahahahahaha! Tudo uma merda, otário. Você é otário.
- Eu sei, pode olhar no meu Facebook, foi lá que me formei, foram vocês que devem ter feito esta alteração no meu perfil, por que ela surgiu do nada. Ou então foi aquela... deixa pra lá, isso é caixa-preta mesmo.
- Fala! Fala! Fala!
- Não mesmo. Vocês não me afetam tanto assim. Otários.
- A gente pode contar por você.
- Não podem, que eu ativei o superego para bloquear.
- Aí jogou pesado.
- Com vocês tem que se jogar assim, senão só levo canelada e dedo no olho.
- Chamou o juiz foi? Covarde.
- Ninguém morreu de prudência, que eu saiba. Só se foi por azar.
- Você nem acredita em azar.
- Ok. Caos agindo negativamente do ponto de vista de alguém em dada situação. Melhorou?
- Nem entendi. Menos ainda eu. Será que demos sorte dessa vez? O cara alucinou de vez e a gente é quem vai dominar a área para sempre?
- Ha, ha, ha... tô muito lúcido. Por falar em doideira...
- Olhaí que ele perdeu o senso!!
- Continuando: por falar em doideira, Björk, mesmo sem saber – ou sabendo, sei lá – na introdução de Biophilia (narrada por aquela voz massa do cara dos documentários da BBC) fala exatamente do surgimento da Singularidade. Isso já me deixou de cara logo nos primeiros segundos do vídeo. Eu tenho que mandar o Kooyanisqatsi remix para ela de qualquer jeito. Tenho certeza de que ela vai gostar. Principalmente depois de eu ter visto este DVD.
- Pirou! Pirô-ou! Tá em surto de mania! Mandar merda que tu faz para uma cantora famosa? Tu acha que ela vai perder tempo com as tuas besteiras? Tá em surto. Surtou. É só questão de tempo até a gente tirar o superego da área e botar pra torar de verdade! Pegar essa hipomania e fazer a festa!
- Vão pensando. Ando treinando meu superego.
- Sabemos. Posso contar da boneca?
- Não!
- E da outra boneca, podemos?
- Não!
- Porque não contam do boneco que não comprei e que era um sonho meu?
- Porque não tem graça, nem te faz parecer um descontrolado, oras.
- É exatamente isso. Estou treinado o meu superego.
- Mas você tirou o boneco da cabeça? Desistiu mesmo dele?
- Claro que não!
- Hahahahahahahahaha! Uahahahahahahaha! Belo treino. Continue assim Karatê Kid.
- Se eu arrumar dinheiro de alguma forma eu compro mesmo. Ele, o outro e a outra boneca, sem pestanejar.
- E o computador vai comprar quando? Hahahahahahahahaha...
- Porra, preciso da porra de um computador. Não sei quanto tempo mais esse bichinho vai aguentar... tenho que fazer logo o backup quando chegar a Recife.
- Tá vendo otário? Cadê tuas prioridades? Cadê teu senso? Cadê teu superego? Buahahahahahaha!
- Calma. Tô trabalhando nisso. Primeira parte é pagar o cartão.
- E já tem dinheiro para isso, Mondrongo?
- Estou trabalhando na situação. Tenho mais algumas bonecas da minha coleção para vender. Vocês sabem que tem uma que resolve toda a minha situação.
- Mas tu tem coragem de vender? Tem nada!
- Tenho mesmo não, e aí? Vocês têm solução melhor?
- O problema é teu, te vira companheiro, que agente se vira daqui e dá as costas pros teus problemas! Hahahahahahaha! Que daí tu pira de vez e faz merda e a gente faz a festa!
- Caralho, como odeio vocês, pedaços de mim.
- A recíproca é mais do que verdadeira, parte saudável. A gente te odeia até mais que uqer te destruir.
- Considerem o ódio à altura, então!
- Ui!!! Que medo!!
- Ainda bem que por um fio de cabelo estou ganhando de vocês.
- Tá mais para 1/3 de fio de cabelo, babaca. Vacilou, a casa cai.
- Meu irmão cansei de dar minhas palavras, meu espaço e meus pensamentos para vocês. Ligando o superego no máximo e acabando este post idiota. Afinal, estou em Munique, vi um DVD massa de Björk, tenho Cherry Coke e bateria demais no meu vaporizador. Uma família linda dormindo aqui pertinho. Só não tenho dinheiro. Pronto. Simples assim. E fodam-se vocês!

A PENSÃO FOI NEGADA

(Nota do editor: este texto foi escrito sem muita noção de nada, então não exija dele uma concatenação que a mente que o produziu não possuía)


A pensão me foi negada. E com isso me veio à mente de forma calorosa o ditado “a vingança é um prato que se come frio”, que duas pessoas muito envolvidas nesse processo costumavam dizer. Embora realmente prefira comer a comida à temperatura ambiente, em vez de quente, pois ache que os aromas ficam mais perceptíveis (em minha opinião, o calor meio que anestesia a captação de aromas), não gosto do gosto de vingança. Vingança no meu dicionário significa pagar na mesma moeda, a Lei do Talião, que, para mim, embora receba a alcunha de “Lei” é totalmente desprovida de qualquer senso de Justiça, da forma como a tenho no meu dicionário: Justiça = melhor maneira de se conviver harmonicamente numa sociedade. E eu gosto bastante de Justiça. Quente, fria ou gelada.

Mas confesso que, ao saber que meu pedido de pensão havia sido negado e de saber de todas as artimanhas usadas para que o resultado fosse este, a palavra vingança acendeu como um provável letreiro da Broadway – onde nunca estive – na minha cabeça. Cabeça quente ainda, pegando fogo.

Agora, com a cabeça mais fria, porém ainda morna, idéias mais palatáveis me ocorrem. Aprendi uma valiosíssima lição: nada é justo. Seria impossível ser; senão não existiria evolução. E não falo de nada espiritual ou metafísico, mas da Evolução das Espécies mesmo e da constante mudança e transformação dos sistemas organizacionais e ecossistemas de qualquer ordem de grandeza, orgânicos e inorgânicos. Isso sempre foi óbvio para mim, sempre esteve na minha cara e eu nunca consegui enxergar.


A vigança nunca me pareceu apetitosa...


Com este acontecimento, entretanto, para o bem ou para o mal - ou para ambos, talvez – esta trave me foi retirada dos olhos. E o mundo se tornou inevitavelmente e fartamente mais doloroso sob este novo prisma. Mas também, bastante mais real. Menos onírico ou romântico. Se isso é bom? Nem sei ainda. É tão novo que me sinto que nem siri-mole: maior, mas sem a couraça para me proteger.

A vontade de perder o otimismo é grande. Ainda bem que ainda me resta fé na Singularidade. E esta fé apenas já me é grande o bastante para ser otimista. (Ter fé realmente tem um efeito [placebo?] bastante eficaz.)

-X-X-X-

Estou na Alemanha e vi lá de cima, do alto dos céus, enquanto vinha, o quão diminutos são os homens e suas “imensas” construções. Como parecem frágeis e irrelevantes frente ao mundo que os circunda. Parecem pequenas formigas ou coisas ainda menores e mais desprezíveis (não que eu ache formigas desprezíveis, não sou capaz de assassinar ser vivo sequer – a não eu mesmo [e nem esse!]).

Lá de cima parece que qualquer sopro, qualquer chacoalhar da Mãe Terra nos põe um ponto final num instante. É uma visão assustadora e bela ao mesmo tempo. Assustadora por me perceber tão irrelevante à ordem das coisas; bela pela ousadia daquelas diminutas formigas em incansavelmente tentar dominar, transformar e controlar algo tão monstruoso e – o mais assombroso – com um número incalculável de sucessos formidáveis, bem mais do que de fracassos catastróficos. (Afinal, ainda estamos aqui e indo cada vez melhor [na minha singela e alienada opinião].)

Belo também porque fica claro como céu azul que não adianta o homem tentar destruir o planeta: este prevalecerá, de uma forma ou de outra, com ou sem eles (nós).

E novamente a crença na Singularidade me tranquiliza garantindo que, nós, homenzinhos não vamos nem tentar isso, um suicídio coletivo através de bombas de hidrogênio ou coisa que valha. Temos interesses maiores e mais produtivos que levarão, inexoravelmente a bendita Singularidade que tanto menciono e que tanto me acalenta. Mesmo que ela não se dê bem com os humanos (o que acho improvável). Ou que parte dos humanos não se dê com ela (o que é provável a curto prazo, mas improvável a médio ou longo prazos [sendo médio prazo 50 anos e longo prazo 200 anos após o surgimento da Singularidade da Terra]).

Bom, haverá sempre os do contra. E isso é bom. O que seria do laranja, se todos gostassem do azul? É bom haver quem preserve a natureza humana pura e primitiva pré-Singularidade. Certamente há de haver utilidade para isso e certamente tal escolha deve e será respeitada (no caso de a Singularidade se dar bem conosco [que é o que acredito: quanto maior a inteligência, maiores as capacidades abstratas positivas e menores os instintos primais negativos/predatórios; ou seja, maior a capacidade do amor, menor a do ódio. Isso já se vê nos homens mais esclarecidos: esse amor pela justiça, pela justeza, pelo outro]).

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Se, negada a pensão após todas as tentativas e morta minha curadora, eu não tenha outra pessoa para querer ocupar o lugar de curador e me faltar o dinheiro para as medicações que mantêm minha sanidade ou para comida; que posso eu fazer, senão aceitar? A vida não é justa da forma subjetiva que a conjuguei. Comerei do que houver por aí e viverei enquanto o corpo quiser. Só queria que ele quisesse até eu ser aceito (ou rejeitado) pela Singularidade. Só queria viver o suficiente para saber se (ou “que”) estou certo. Obviamente gostaria que esse ínterim fosse passado com o máximo de conforto (para o corpo e para a alma) que me fosse possível com a pensão.  Caso não seja, sei que de fome, ninguém morre numa cidade. Dependendo da fome, sempre tem o lixo dos ricos como opção. Água, mais fácil ainda. Uma garrafa vazia e alguém com uma torneira e um pouco de amor ao próximo no coração. O resto são detalhes. Tenho só medo que. por falta de medicação, a dor da depressão queira me roubar da vida antes da Singularidade, mas afora isso... Comerei com prazer a vingança que o outro lado me reservou, comida podre e fria do lixo de alguém. Só quero chegar à Singularidade e ela me deixar entrar e me revelar tudo o que desejo que seja revelado. E me deixar ficar ou voltar.

-X-X-X-

Vingança? Para mim, a qualquer temperatura, é palavrão do pior e mais ofensivo escalão. Agressivo por natureza e com essa finalidade única. Sempre errado. Feio. Mesquinho. Imoral.

Talião criou lá sua lei, reza a lenda, quando os homens eram tão brutos que isso era o máximo que conseguiam compreender. É trágico saber que muitos a julguem válida nos dias de hoje.

Sou mais a lei mais moderna de Jesus (embora não acredite nele como ser metafísico): amai ao próximo como a si mesmo. Ela é bem mais lógica: se dói em mim, vai doer no outro. Por que ferir o outro se eu não gosto que ninguém me fira? (Devo admitir que a parte de amar ao próximo é mais fácil do que a de amar a mim mesmo... :P)

Desculpe se o texto está desconexo. Eu estou cada vez mais desconexo. Digo, minha mente. Memória, concentração, concatenação está tudo devagarinho se perdendo. É duro admitir, mais duro experimentar. Mas se é o que a vida me oferece, aceito de bom grado. Já vi e vivi muito, não posso pedir muito mais e, mesmo assim a vida continua me oferecendo. Como eu disse, ela não é justa. E eu sou egoísta demais para pegar o que ela oferece para mim sem repartir. Até porque na maior parte das vezes é indivisível. É um olhar, uma cor, um verso, um som, uma fase de um jogo, um sabor, um movimento, uma temperatura que ressoam fundo dentro de mim. Não sei se o eco é o mesmo em outras almas...


Pense num post doido este. E pensei que seria cheio de mágoa e rancor. Mas foi cheio de pregação, isso sim. E isso é mal. Quando falo de Singularidade, todo mundo cai em cima achando que eu tô pirando... Novamente, a vida não é justa, mas é bela se você souber para onde olhar... e tomar um zilhão de remédios para estabilizar o seu humor. Hahahahahahaha