domingo, 20 de maio de 2012

Muito pouco e um pouco delas


Recife, 18 de maio de 2012

O que tenho para dizer hoje? É sexta-feira, o albergue está tranqüilo, amanhã estarei em casa para o final de semana. Penso em mostrar este texto, como o anterior, para a minha mãe. Foi uma experiência muito positiva para nós dois, creio. Esta semana cometi três vezes a mesma transgressão de fumar após o fechamento da casa, no que fui repreendido de forma relativamente severa. Começo a me cansar de estar aqui, muito embora tenha ido a mais grupos nesta semana que na anterior. O saco é que pensar na vida lá fora me enche de insegurança. Estou muito fresco, hipersensível demais. É uma das conseqüências do internamento, ficar superprotegido faz o mundo desprotegido parecer mais intimidante do que é. Escrevi minha carta de compromisso, uma das etapas do tratamento, com três ou quatro semanas de atraso, achei que finalmente estava preparado para assumir tais compromissos (abstinência, mais disciplina, foco, dar passos proporcionais a minha atual condição, pintar, escrever). Confesso que, depois de lida a carta, achei que não seria capaz de nada disso, meu instinto de auto-sabotagem aflorou voraz, o que me chateou deveras (e chateia pois ele ainda não foi totalmente arrefecido, neurótico de merda que sou). Apesar disso, estou racionalmente confiante. Ouvindo Balão Mágico. Cortou completamente minha linha de raciocínio. Bom.

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Estou com saudades de postar no blog. Postarei amanhã o texto da semana passada e, quem sabe, este e, quem sabe ainda, um novo post no domingo se sair com meu primo-amigo-irmão, se esta saída gerar algo de interessante e se a ressaca permitir.

“Gerar algo de interessante”. Quanta pretensão. Hahahahahaha!

XXXXX

Tatá está especialmente bela hoje. Os ombros nus muito me agradam. E há um brilho diferente nela, gostoso de observar. Obrigado, existência, por todas as mulheres lindas e jovens que você esporadicamente põe para desfilar diante dos meus olhos. Não conseguiria por mim mesmo imaginá-las tão variadas e belas. Teve uma que encontrei no estacionamento do Plaza no final de semana retrasado que me deixou literalmente mesmerizado, meu olhar foi dragado por aquela aparição e tudo desapareceu ao meu redor, como se a razão da minha existência fosse adorar aquele ser, apreender da forma mais completa que meus sentidos permitem ela desfilar seu natural e ofuscante esplendor. Sublime. Uma gota de felicidade pura e cristalina. (Que depois foi substituída por súbita depressão ao constatar que ela estava com um namorado jovem e sarado que dirigia um carro esportivo importado, ou seja, que era o meu inverso). Ela lembrava a Branca de Neve de Espelho, Espelho Meu, um pouco mais alta e mais sexy (longe de ser vulgar [mulheres vulgares me causam repulsa]). Um anjo, enfim. Novamente obrigado, existência. Não apenas pelas belas garotas do universo, mas, principalmente pela propriedade que você me deu de ficar embevecido por elas. 

Das Minhas Neuroses


Sexta-feira, 11 de maio de 2012

Criei um novo set list. 70 músicas, 4,9 horas, um pouco de tudo que tem no computador, de Björk a Chico, de Strokes a Balão Mágico, de The Cure a Lovesong com Adele. Não sei aonde as palavras irão me levar, mas gostaria de tratar do que discuti na terapia e ver o que sai, se alguma luz escapa das letras. Não o farei exatamente agora – 20h33 – pois antes quero conversar com Tatá, fumar uns cigarros e tomar um cafezão. Escrever está me dando prazer neste momento. Isso é bom, faz tempo que não me sinto bem com as minhas palavras, talvez seja um sinal de saúde, de recuperação, mesmo que pequena (mas não menos preciosa). Prazer, existe outra coisa que busquemos na vida? Acho que só evitar o seu extremo oposto, o sofrimento. É a isto que se resume a existência humana, a meu ver. A fuga da dor e a busca do prazer são a base de todas as ações humanas, a intenção por trás de todas as intenções. Mas vou deixar de pseudo-filosofar. Vou procurar Tatá (Acompanhante Terapêutica), colocar um copázio de café e fumar.

20h54

Tatá fuleirou comigo, o café e o cigarro rolaram. Adele, Someone Like You, tocando. Novela das oito total. Tentar mergulhar dentro das minhas paranóias. Por que tão improdutivo? Por que tão imprestável e assustado em agir? A acomodação à minha mediocridade é a primeira e mais superficial explicação. Depois de três (ou seriam mais?) anos sem fazer nada a não ser parasitar, primeiro do meu pai e, depois de sua morte, da minha mãe, voltar a buscar independência parece uma tarefa quase impossível, a alma totalmente atrofiada para tais intentos recusa-se a se mexer, recusa-se a admitir que mexer-se é necessário, quer mais do que tudo permanecer como está.

21h35

Finalmente conversei com Tatá. Foi agradável porque acabei falando do prazer de falar com mulheres e deste me parecer superior ao de falar com homens. Pensar em carinho e intimidade é bom. Voltando à alma estagnada, considerei que querer uma reestréia na vida já com grandioso espetáculo é algo inalcançável justamente devido á supracitada atrofia. Como um inválido que recomeça a caminhar, o que preciso é dar passos de acordo com minhas capacidades, que não forcem demais os músculos desacostumados. Com paciência e persistência é possível que o que era habitual volte a sê-lo e o caminhar torne-se mais uma vez firme e consistente. O que tenho disposição para fazer no momento é voltar a pintar, do meu jeito livre e sem técnica, aos poucos, sem pretensões de uma produção em massa. Penso também em voltar a dedicar-me ao blog e talvez – o que me parece doloroso – escrever em doses mais que homeopáticas Algo. Interessante, este parágrafo me parece muito mais otimista que o anterior. Não sei se o humor elevado pelo papo com Tatá contribui para isso ou se me ouvir através deste texto me dá uma perspectiva fresca sobre minha atual situação. Fato é que me animo com o futuro. Quase não sinto medo. Medo. Dedicarei um parágrafo ou dois a este tema. Fumar um cigarro. I’m the highway.

21h52

Não fui fumar, fiquei escutando a música do Audioslave. É estranho que ela me toque tão profundamente a ponto de já considerá-la parte integrante de mim. Bem, medo. Meu maior medo é minha vida voltar ao que era quando tinha um emprego e morava sozinho e ficava olhando para as paredes brancas da sala vazia e me perguntado se seria só aquilo até o fim. O protagonista de Ouro de Tolo sem tirar nem pôr. O trabalho me acossava, me torturava, me agredia, me sugava, me esvaziava de mim e me preenchia de todas as angústias mais tenebrosas e doloridas. Acho que tive um colapso nervoso ou uma crise de pânico ou qualquer dessas profundas neuroses em que se perde o controle emocional e a capacidade de pensar tranqüilamente. Algo que me dilacerou e que deixou um trauma até agora indelével. Não quero voltar nunca mais a qualquer coisa ligeiramente semelhante àqueles dias desesperados e isto é uma decisão irrevogável. The Modern Things, Björk. Devo admitir, porém, que coloco coisas demais no saco de possibilidades que me levariam de novo a tal lugar. De tanto medo nasceu uma exagerada precaução e passei a englobar qualquer esforço produtivo como passível de me causar o sofrimento de antes. Minha fobia me paralisou de forma quase completa e daí advém o estado de coisas em que minha vida se encontra. Por isso é tão bem vinda esta vontade de pintar, este passo mínimo para qualquer outro, mas gigantesco para mim, pois caminho contra o medo absurdo que me acometeu e que alimentei como quem alimenta a fera oferecendo a carne da própria perna para que a besta não devore o braço ou outro órgão mais vital. Este passo talvez me leve um dia a tomar coragem de dar as costas para a fera, deixá-la morrer de fome e, quem sabe, sentir mais uma vez, nalgum dia de sol, a doce leveza da existência. Desired Costelation, Björk.

22h21.

Não tenho muito mais a dizer, mas o desejo de dizer qualquer coisa que seja ainda me toma. Provavelmente o que virá será ainda mais inútil do que o já dito, mas o prazer de dizê-lo vale o desperdício. Se há alguma coisa da qual tenho orgulho é da forma como escrevo. Não tenho subsídios acadêmicos, literários ou culturais para basear este meu orgulho, apenas me agrada a forma que as palavras me vêm, vejo uma certa elegância, um certo estilo que de tão aprazíveis muitas vezes nem parecem meus. Ainda bem que são, não tenho crenças espirituais que justifiquem quaisquer outras fontes. Ao menos este valor eu me dou, mesmo que a duras penas, pois é difícil, doloroso, aceitar que algo de bom provenha de mim. Eis um bom tema para discorrer. Preciso me ouvir sobre esta doentia baixa-estima este quase total descrédito com tudo o que sou e que de mim deriva. Devo admitir que não faço a mínima idéia de como reverter tal quadro e nem acredito que seja possível, tão entranhado está como verdade absoluta, tão absoluta que não consigo nem imaginar o que seja ou como seja eu gostar de mim. Acho que esta não aceitação é uma causa ainda mais profunda e importante da minha neurose. Não sei de onde surgiu tamanho desprezo e desgosto, sei claramente que já em minha primeira adolescência já me sentia assim. Até hoje sinceramente não entendo como as demais pessoas, tendo um mínimo de autocrítica, consigam se aceitar e gostar de serem o que são. Acho que minha obrigação é a de ser o melhor e que qualquer posição que não a melhor representa um fracasso total. Meu pai sempre disse que foi o melhor em tudo de relevante que fez (e realmente assim aparentava ser), todos sempre me compararam a ele e eu acho que assimilei esta responsabilidade de ser eu também o melhor em tudo. Infelizmente não é da minha natureza ter a disciplina e a determinação de ser o melhor, não me vale sinceramente o esforço. Mesmo assim a pressão que me imprimi nesse sentido nunca deixou de existir e, por nunca ter sido o melhor em nada, apenas bom em algumas coisas, sempre me senti um fracassado, um merda, sempre me senti completamente decepcionado comigo. Ele morreu e mesmo assim o peso enorme de sua figura ainda paira solene e imperativo sobre mim. Não que ele tenha me outorgado tal fardo, eu o trouxe para mim e nunca fui capaz de carregá-lo. Meu pai escrevia muito bem, com leveza, humor, precisão, economia; com uma pontuação impecável que eu nunca conseguirei emular, pois desconheço as regras, sigo apenas instintos. É por isso que me assombra eu gostar do que escrevo. Considerar-me relativamente bom nisso – em algo – mesmo sabendo não ser o melhor, mesmo sendo ignorante quanto à norma culta, é inexplicável, quase um prazer proibido, algo errado, um pecado que, como todos, traz prazer a guisa da culpa. É tão forte esta não aceitação que neste exato momento não gosto mais do que escrevo e todo o prazer sumiu, estou achando que me faço passar por idiota achando que estas palavras de merda têm algum valor estético ou de qualquer outra natureza. Pois é, é difícil ser assim. Lucky, Britney Spears. Fumar.

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14 de maio de 2012

Mostrei a minha mãe este texto, pois o achei revelador e achei que ela merecia me ver revelado. Foi muito bom, pois ela se pôs a debatê-lo comigo e assim pudemos nos entender um pouco mais.